O Código Civil de 1916, no artigo 1477, tratava das dívidas de jogo, desobrigando seu pagamento, mas desautorizando recobrar a quantia que voluntariamente se pagou, surgindo a figura do pagamento antecipado das apostas, tendo o texto sido reiterado no artigo 814 do Código Civil de 2.002.
O Decreto-Lei 9.215 de 30/04/1946, com base em princípios da “consciência universal”, nas leis penais dos “povos cultos”, na “tradição moral, jurídica e religiosa do povo brasileiro e contrária à prática e à exploração de jogos de azar”, bem como “abusos nocivos à moral e aos bons costumes” proibiu a prática e exploração de jogos de azar em todo o território nacional, com efeito repristinatório, restaurando a vigência do artigo 50 e seus parágrafos, da Lei de Contravenções Penais.
Referido artigo 50, em seu §3º, conceitua as modalidades de jogo de azar: “o jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte”, “as apostas sobre corrida de cavalos fora de hipódromo ou de local onde sejam autorizadas” e “as apostas sobre qualquer outra competição esportiva”.
Há de se excluir, portanto, da proibição, os jogos que não dependam exclusiva ou principalmente da sorte, como a grande maioria dos jogos de cartas (baralho), tal como o poker em todas suas modalidades, atualmente reconhecido mundialmente como um esporte da mente.
Porém, as demais modalidades se mantinham proibidas, até o recente advento da Lei 14.790, de 29/12/2023, que dispôs sobre a modalidade de apostas de quota fixa, ou seja, aquela em que o apostador sabe, previamente, o fator de multiplicação sobre o valor apostado, em caso de premiação, desde que envolva “eventos reais de temática esportiva” ou “eventos virtuais de jogos on line”.
Vale dizer, as apostas em cavalos fora dos locais autorizados e as demais modalidades de jogos que dependam exclusiva ou principalmente da sorte, em tese, continuam proibidos em todo o território nacional.
Contudo, ninguém desconhece que na atualidade, nas plataformas e aplicativos digitais, em regra, com sede em países estrangeiros, os jogos conceituados como “de azar” são amplamente difundidos, e mais, sem qualquer controle, ou seja, sob anonimato do apostador, podendo deles participar inclusive menores.
O anteprojeto de reforma do Código Civil trata apenas superficialmente do tema, ao propor a introdução do artigo 817-A, no Capítulo que trata do jogo e da aposta: “Os jogos e apostas efetuados em meio digital ou eletrônico estão sujeitos à legislação especial, aplicando-se o presente capítulo apenas naquilo em que essas normas forem omissas”. Contudo, a matéria não é sequer mencionada no referido Capítulo do Código a ser reformado.
Ora, o arcabouço legal não pode se dissociar ou se omitir em face da sociedade, pelo contrário, deve refletir seus fundamentos sociais, econômicos, morais, comportamentais e tecnológicos.
A omissão quanto ao enfrentamento legal do tema vem causando graves danos à sociedade e à economia. Não é possível que dezenas de bilhões de reais dos brasileiros sejam despejados a cada ano nos cofres de empresas estrangeiras que, sem qualquer controle, exploram atividade que, por lei, é proibida no Brasil.
Fechar os olhos a tal realidade vai além da hipocrisia, vez que retira do nosso País a possibilidade de elevada arrecadação e geração de milhares, senão milhões de empregos.
Então, tratemos do tema jogo, com a urgência que a matéria exige.
Sérgio Murilo Diniz Braga